domingo, 24 de julho de 2011

Per(I)manência
Há um fio grosso de líquido espesso
que escorre por entre as linhas,
aquecendo-as pra que vivam além do que se conta.
Encontra-se vermelho.
É sangue.
É falso,
não tem partido.
Não é bom, nem ruim, nem meio termo.
Está acontecendo agora enquanto você decodifica letras e sílabas e vozes.
Enquanto busca significados não genuínos que te escapam definitivamente, a menos que se queira o contrário.
Não é absolutamente por você.
Me asseguro no que em vento sopra.
Que eu me caiba é só o que espero.
Me asseguro no que invento só pra que eu me caiba.
Espero.
Sou uma flor.
A que toca o nariz e coça, incomoda.
Sou contorno e pólen
sou uma puta.
Tudo é porque quero, porque posso, não por você.
Sou uma puta antiga,
sempre fui,
por puro prazer,
aprazível,
mentirosamente agradável
sou a viúva negra.
Sou uma flor de cemitério,
mas não permito que descubram antes do gozo.
Sou tão antiga e você me conhece desde sempre, quase.
Se me explico é por pura resignação
Sei que se fingisse hermetismo forçaria a desescritura do meu rastro incontido no orgasmo que te entrego de presente,
te fazendo crer no futuro
te lembrando mirra, tão sublime.
Não sou só ação, sou também pausa e o Silêncio.
Por isso me faço necessária: eu te desligo e te retomo no momento exato:
eu te retorno e
por isso sou antiga,
uma puta, já disse.
This is an attempting,
that’s all
Não tenho certeza do que pretendo confessando a você erros nos quais eu nem acredito
showing up my bloody body
instead of hiding it,
that’s the proof you’ve got to seek.
‘Cause I’m the black widow
I’m that fallen cemetery vase
filled with fake daisies:
as meaningless
as it can be.
Uma tentativa:
inmanencia,
um fio de sangue falso
que escurre,
calienta un verbo tibio
- sin sentido
como un viejo recuerdo -,
y lo apacigua:
secreto de amantes,
huellas de una puta antigua.

sábado, 23 de julho de 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011



Cromatismo

"Pero bastaba mirar los muebles y las paredes, como revestidos de aislamiento, para convencerse de que allí no había nadie. Más aún: para convencerse de que nunca hubo nadie."
Bioy Casares


Era uma sala seis por quatro com um quarto de paredes vermelhas
e cortinas quase brancas.
Era um azul com verde do lado de fora, dando sensação de que tudo estava
- ou que devesse ficar -, bem.
Um ponto vermelho e prata, que era a dúvida,
projetava-se para além das janelas rasgadas nas cortinas.
Era a mais pura verdade.
Era como amar na adolescência. Mas não era eu quem adolescia.
Não se pode conceber o bem puro azul e verde sem considerar o vermelho e prata que lhe quebra.
Éramos eu, a sala e o lá fora. Antes achava que havia outros mais ali.
Outros como eu. Doce ilusão,
éramos todos sós: eu, eles, as paredes, as cores. Éramos vastos, mas nada se movia. Então acreditávamos, obedecíamos. Quase completamente primários, a não ser pela dúvida.
Era o momento da espera,
gestação do que queria que fosse a ideia, mas que não passava, ou passa, de experiência.
Sentimento que atravessa, passa mesmo pelo corpo e a gente a esperar
uma classe lógica que aprisionasse o instante,
significando-o por um nome falso, não compartilhado, não comungado.
O instante não costuma revelar-se em significado, mas em ação, reação, corrente física eriçando os pelos do corpo, como que dizendo-lhe que somos íntegros de toda forma.
Era como amar na adolescência, mas eu,
realmente, não adolescia.
Não me confortava a ideia de que todo instante, tão meu,
estaria integrado, em algum momento,
àquelas formas de janelas de mentira, rasgadas nas cortinas quase brancas, emolduradas por um azul com verde quase puro, não fosse pelo ponto vermelho e prata, que era a dúvida.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

Decoração

Quero um coro novo sem decoro.

Oro porque possa, sem corar,

Atingir o novo da oração de cor,

de cor. Decoro um espaço vivo de coração

a ver se me inspira uma lágrima

e obedeço.

desço ao mais íntimo de mim mesmo

devendo saber que veia atingir

para que, enfim,

possa tingir, de rojo muy colorado,

o tecido dormente que recobre a peça

que me tem a ela acorrentado.

Ainda não me decorei.

quarta-feira, 6 de julho de 2011


Contudo

"Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós"

C. Lispector

É uma maçã.

A verdade: ira divina manifestada nos homens.

Devo contorcer-me num riso louco, afogado.

Devo começar agora e só parar quando ouvir:

- Isto é uma maçã.

Roída.


Será que a maçã...?

- Rubra.

Não como as bocetas porque elas se mantêm bem vermelhas, latejandúmidas...

- Na verdade escurecem até findar num buraco negro e sujo. As maçãs clareiam:

Ebúrneas.

Será que a maçã é...

Sim?

Carta em branco. Nenhum destinatário. O que não é porque se perde na linhimagemágica:

Tempo.

Você aí, de outro lado que não o meu, dissociando-se de bom grado.

Gradativamente.

Eu me perdi pra diante. Segui por trajetos escusos, ultrapassei meus limites.

- É mesmo tua razão que te faz Homem? Teu pau, o que é?

Não posso afirmar muito, sei que ultrapasso a linha do meu corpo e isso me lança bem pra longe, digo.

Dito.

É assim que vivo: possuo-te em outros corpos que não o meu,

[ Não posso possuir-te, assim de chofre, sem libertar-me da ira divina]

, deleito-me sobre minha própria condição de existir paralelamente.

Essa transitoriedade me eleva, me desencerra.

Grilhões não me prendem mais.

Sou todo alma agora.

De novo devo contorcer-me epileticamente num riso longo.

É duro. Sólido este corpo tátil que atravesso.

Quebro-me em estilhaços espelhados que fazem de ti um universo pequeno diante da imagem tua, em mim refletida.

- Dá-me a matéria magiquimagética que te peço:

Tempo.

Não quero Deus, não quero o físico que te encerra. Se fosse opção, escolheria o branconadaviscoso de onde sei que vim. O medo me prende e não posso ser lançado nesse jato de porra sobre o qual a coisa toda cresce pra o nãoseiqueonde e que me faria mais parte de ti nela mesma.

Sem essa consciência,

contudo.

domingo, 3 de julho de 2011

Nocturno en que nada se oye

En medio de un silencio desierto como la calle antes del crimen
sin respirar siquiera para que nada turbe mi muerte
en esta soledad sin paredes
al tiempo que huyeron los ángulos
en la tumba del lecho dejo mi estatua sin sangre
para salir en un momento tan lento
en un interminable descenso
sin brazos que tender
sin dedos para alcanzar la escala que cae de un piano invisible
sin más que una mirada y una voz
que no recuerdan haber salido de ojos y labios
¿qué son labios? ¿qué son miradas que son labios?
Y mi voz ya no es mía
dentro del agua que no moja
dentro del aire de vidrio
dentro del fuego lívido que corta como el grito
Y en el juego angustioso de un espejo frente a otro
cae mi voz
y mi voz que madura
y mi voz quemadura
y mi bosque madura
y mi voz quema dura
como el hielo de vidrio
como el grito de hielo
aquí en el caracol de la oreja
el latido de un mar en el que no sé nada
en el que no se nada
porque he dejado pies y brazos en la orilla
siento caer fuera de mí la red de mis nervios
mas huye todo como el pez que se da cuenta
hasta ciento en el pulso de mis sienes
muda telegrafía a la que nadie responde
porque el sueño y la muerte nada tienen ya que decirse.


Xavier Villaurrutia, 1903 -1950

sábado, 2 de julho de 2011

Se há o verbo:

Eu mingulo o tempo quimingole

porque caibunele.

Quandé que sou o meu tempo?

Em que parte eu sou meu roteiro?

Se marcho manso ou recuo

eu mingulo.

Mingulo na ignorância

do meu medo quiminorme,

caibunele mesmo grande porque, a tempo,

midiminuindo mintendo.

Só desejo engolir o que não está em mim e isso é raro porque é só.

Mingulirsimilátimilé micabendo é bom,

restringe, esvaziando de significado o que

se busca com tanto desenfreio que desarranja, não acaba bem e não revela.

Meu estado de verdade e lucidez não sou eu quem o produz,

mas em mim se transforma, só por isso eu mingulo.

Mingulo porque o relógio na parede é de mentira.

É pintado e, toda vez que o encaro, mente as horas,

daí, então, eu também mingulo ele.

Bolas brancas sem ponteiros disfarçam a verdade incontida e circular.

Circunscrevendo, me acho

a tempo:

Quero um verbo novo.

Novo sem meu consentimento.